terça-feira, 5 de abril de 2011

Quando se discute milícia, está se discutindo a segurança pública do Rio








Quando se discute milícia, está se discutindo a segurança pública do Rio




Entrevista com Marcelo Freixo

 
Marcelo Freixo é professor de História e deputado estadual pelo PSOL do RIo de Janeiro. Antes de ser eleito deputado, foi pesquisador da ONG Justiça Global e consultor do deputado federal Chico Alencar na área de Direitos Humanos. Coordenou projetos educativos no sistema penitenciário, e foi coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Alerj de 1999 a 2002. Em 2008, presidiu a CPI das Milícias da Alerj cujo objetivo foi investigar a ação desses grupos no Rio de Janeiro.

Em entrevista ao boletim Busca Avançada, Freixo explica a importância de se investigar as ações das milícias no estado.

O que justifica a realização de uma CPI?

Bom, primeiro um esclarecimento. Eu fiz o requerimento para esta CPI em fevereiro de 2007. Quando ocorreu a tortura dos jornalistas de O Dia, já havia o pedido de uma CPI há mais de um ano na casa. Foi o primeiro ato do nosso mandato no entendimento de que essa organização criminosa já representava o que havia de mais grave na área de segurança pública.

As milícias têm oito anos de existência - pelo menos na maneira como estão organizadas agora - principalmente no que diz respeito à busca de sua representatividade política, do seu "braço político". Esses grupos cresceram muito nos últimos anos em função da conivência do poder público, tanto municipal, quanto estadual.

Vocês lembram que em 2006 tivemos um final de ano muito complicado no Rio de Janeiro com a queima de ônibus, conflitos envolvendo milícia, área de varejo da droga, com declarações do prefeito de que as milícias eram auto-defesas comunitárias, que aquilo era um avanço. Havia claramente uma necessidade de investigar melhor o que significavam essas milícias e como era o seu  braço político. Como tinha vereadores e deputados eleitos em um projeto de expansão clara, já arquitetavam candidaturas à prefeitura, candidaturas ao Senado. Ou seja, era um grupo de poder cada vez mais viável, cada vez mais forte, e a gente entendia que precisava usar o instrumento mais poderoso do legislativo que é a CPI.

Como a CPI das Milícias dialoga com as investigações da Polícia Civil?

Isso é fundamental. Primeiro porque o papel da CPI não é substituir a ação policial, não é fazer investigação policial. Pelo contrário, o trabalho da CPI tem que ser de parceria. Temos um diálogo muito amplo com o poder público de maneira geral. O nosso papel é fazer um diagnóstico da situação das milícias: O que são, seu enraizamento no poder público, como operam, qual é o tamanho que esse grupo, qual é a sua extensão, e quais são os seus mecanismos de fortalecimento econômico e político.

Eu conversei com a superintendência da Polícia Federal para saber como tratava de algumas áreas que esbarrava na esfera federal. Dialogamos com a polícia civil, principalmente com o Cláudio Ferraz da Draco, que é a delegacia hoje da Polícia Civil que concentra as investigações e a ação de enfrentamento as milícias.

Conversamos com a Secretaria de Administração Penitenciária que também tem um serviço de inteligência, que também nos enviou o material. Conversamos com o Comando da Polícia Militar, que também já nos enviou tudo o que eles têm. Conversamos com o Comando do Corpo de Bombeiros.

Porque na formação da ação miliciana tem bombeiros, tem agentes penitenciários, tem policiais militares, tem policiais civis, e essas corporações têm seus procedimentos internos, têm suas informações, e a gente está recolhendo de todas as áreas.

Conversamos com o TRE também. Porque como a milícia tem o braço político, estamos usando o mapa eleitoral para confrontar com o mapa de milícias que a polícia tem.

Como a CPI das Milícias incide na política de segurança pública?

Na verdade, a CPI das Milícias não incide sobre a política de segurança pública. Mas, quando se faz um diagnóstico das milícias, inevitavelmente acabamos tendo que fazer um diagnóstico do quanto o poder público falhou para que esses grupos crescessem tanto. Quando se discute milícia, está se discutindo a segurança pública do Rio.

Não tem como falar do enfrentamento da milícia e não falar da fragilidade dos setores de ouvidoria, por exemplo, da fragilidade das corregedorias, da formação policial. Não tem como, de alguma maneira, caracterizar que a milícia é resultado da irresponsabilidade política de alguns governos que olharam para a milícia como um mal menor.

Por outro lado, a estrutura de segurança pública absurdamente precária favoreceu muito a formação dessas milícias. Salários baixos, formação precária de policiais, falta de controle social desses policiais, tudo isso dá condição estrutural para que os agentes públicos se envolvam com milícia.

O governo forneceu a mão-de-obra pela sua política de segurança que desvaloriza o policial e ao mesmo tempo sustentou ideologicamente essa ação miliciana. Tanto o governo estadual quanto o municipal são os grandes responsáveis pelo crescimento desses grupos que exercem atividades econômicas lucrativas que vão do domínio da van ao domínio do "gatonet", do gás, em alguns lugares, controle de água, e em outros, grilagem.

Ao fazer o diagnóstico das milícias, a CPI esbarra em uma crítica profunda a uma política de segurança pública que é absolutamente equivocada (ponto de vista do presidente e não da CPI), calcada na lógica da guerra - no que o governador chama de enfrentamento, mas que na verdade é o combate -, e aí você tem uma polícia que mata em índices inaceitáveis, que morre em índices inaceitáveis, e que tem uma condição de trabalho, uma estrutura de trabalho absolutamente aviltante. Isso é um fomento para os grupos milicianos.

Como se dá a atuação das milícias?

As milícias não operam da mesma forma em todos os lugares, não têm um padrão unificado. Todas trabalham com extorsão, domínio de território e grupo armado. Todas controladas por agentes públicos. Em alguns lugares tem taxa de venda e compra de imóvel e em outros não. Em alguns lugares o morador tem carro e paga uma taxa de segurança maior do que aquele que não tem carro.

Em alguns lugares é só comerciante que paga a taxa de segurança, em outros, morador também paga. O valor da taxa também varia de um lugar para o outro. Até porque não são os mesmos donos, não há necessariamente uma rede entre esses milicianos construída, ainda bem. Pelo contrário às vezes há disputa entre eles.

E qual a especificidade que o Disque-Milícia tem que não é coberto pelo Disque-Denúncia?

O Disque-Milícia foi criado pela CPI e o controle é da CPI. Ele funciona dentro da Assembléia Legislativa, com operadores da nossa confiança. Não dependemos de um órgão, então o dado é 100% confiável. Temos uma média de 25 denúncias formalizadas por dia. E muito válidas. Nós montamos uma equipe de inteligência para trabalhar com esses dados. Temos policiais de setores de inteligência trabalhando exclusivamente na CPI, montando um mapa de informação que traz informação específica. As informações que chegam do Disque-Milícia batem perfeitamente com informações oficiais que a gente recebe. Pelo Disque-Milícia recebemos informações sobre o eixo econômico, o eixo político, sobre os integrantes, de como operam.

O conteúdo do Disque-Milícia que chega é compartilhado com as outras instituições?

Não. Por enquanto não. A gente tem um acordo com o Cláudio Ferraz. Se recebemos um telefonema dizendo que uma pessoa está sendo torturada nesse momento por milicianos, não vai sair um grupo de deputados para ir lá. Isso não é o trabalho dos deputados. Aí a gente informa a Draco e eles vão até lá. As informações do Disque-Milícia vão compor o relatório final da CPI, que aí vai chegar ao Ministério Público.

Como o senhor vê o fenômeno das milícias a partir das relações entre política, economia e o aparato policial?

Milícia é um grupo criminoso, ou seja, opera algum crime, atividade criminosa formada e comandada por agentes públicos - fundamentalmente policiais, agentes penitenciários e bombeiros - que dominam o território e têm um braço armado. Uma parte grande dos integrantes de milícia não é necessariamente do aparato policial. Tem inclusive ex-traficantes. Não é um grupo miliciano que toma uma região que era do tráfico, quem toma é o batalhão.

Assim: tem uma área que é do tráfico, quem toma essa área é o batalhão, a polícia que entra e tira o tráfico. E fica a milícia porque tem acordo. A milícia organiza a comunidade no sentido de controle absoluto, é a lógica é do terror. Mas a lógica do projeto é econômica, não é política. Agora, quando você busca riqueza, quanto mais perto do poder você estiver, melhor. Então a perspectiva de poder é conseqüência do projeto econômico.  

E como é que você vê essa questão de a gente não ter milícia na Zona Sul e só na Baixada e na Zona Oeste?

Na minha casa, eu moro em Niterói, bateu na minha casa um senhor e falou: "Olha eu tenho uma guarita na esquina da minha casa." Aí o cara falou: "Olha, eu, a gente é da segurança particular e a gente quer saber se você quer contribuir 100 reais por mês?" Eu falei não. Não quero. "Ah muito obrigado." E saiu, eu não ganhei um tiro na cara, ele não ameaçou meu filho, não tirou minha casa. Isso não é milícia. É diferente. Mas ele pode chegar um dia e falar: "É melhor o senhor dar!" Se eu não tiver a quem recorrer e tiver que dar a prática da milícia está se aproximando. Isso pode acontecer? Pode. É mais difícil? É. Pela questão geográfica, pela questão econômica, pela questão política, pelo aspecto social, por tudo o que divide o Rio.

Até porque se você quiser substituir um grupo de segurança privada também é complicado.

É complicado, mas não é a mesma coisa que milícia. Operam de maneira diferente. Mas se não forem enfrentados agora, daqui a pouco eles não estão elegendo vereador, eles estão elegendo senadores, prefeitos, e aí é claro, vai expandir, vai avançar, eu não tenho dúvida. Ou enfrenta agora, ou daqui a pouco é melhor a gente, ou compactuar ou sair do Rio de Janeiro, é a alternativa que vai sobrar.

Leia no Comunidade Segura a matéria sobre a CPI das Milícias "Combate às milícias ganha projeção nacional"


Fonte: Comnidade Segura

Nenhum comentário: