domingo, 24 de outubro de 2010

Testemunhas revelam o terror das milícias no Rio


Testemunhas revelam o terror das milícias no Rio


Famílias de vítimas, ameaçadas, vivem sobressaltadas. Dois irmãos foram mortos depois de presenciarem chacina.


Rio, 24 out 2010 – Depoimentos de testemunhas ouvidas pelo "Fantástico" mostram, neste domingo (24), que a milícia - tema do sucesso de bilheteria “Tropa de Elite 2”, filme do diretor José Padilha - é, já há algum tempo, um dos grandes inimigos da população carioca. A reportagem revela o drama das pessoas que denunciaram a atuação desses grupos criminosos formados por policiais corruptos.

“Perdi tudo, perdi tudo. Só peço uma solução, preciso de apoio, porque não tem como eu ficar no Rio de Janeiro, porque a milícia se espalhou”, pede uma testemunha.

“Quero saber se isso vai ter fim porque eu não estou aguentando mais. Dói. Ando para um lado e para o outro, ando com medo. Vejo um carro preto e tenho medo de ter alguém querendo me matar”, afirma outra testemunha.

Um dos relatos da violência do grupo tem como cenário a Favela do Barbante, na Zona Oeste do Rio, onde, em agosto de 2008, os milicianos foram autores de uma chacina. Pelo menos sete pessoas assassinadas. O crime foi um recado dos criminosos para aterrorizar os moradores da região e dominar a comunidade. Era a primeira de uma sequência de execuções.

Uma testemunha conta detalhes da violência praticada pelo grupo. “Ari trabalhava, era dono desse mercado. Ele foi retirado de lá, arrastado pela rua até um campinho de futebol. Foi a primeira das sete vitimas mortas. Era um final de tarde, ainda estava claro. Muita gente viu. Ninguém quer falar ainda, afinal de contas a milícia continua a controlar essa área.”

Mortos depois de presenciarem mortes

Atualmente o mercado pertence a outra pessoa, que é obrigada a pagar aos milicianos para explorar o negócio. Além de exigir pagamento de R$ 50 por semana dos comerciantes, os milicianos faturam também com o transporte alternativo feito pelas vans.

O que aconteceu na Favela do Barbante é parecido com uma das cenas mais violentas do filme “Tropa de Elite 2”, quando um dono de van é executado pela milícia.

No caso da chacina, na vida real, o problema para a milícia foi que dois rapazes, que eram primos, indignados, foram à polícia denunciar os autores do crime.

“O cara falou que ia pegar a gente, porque a gente presenciou. A chacina foi durante o dia, às 17h. Presenciamos, ficamos acuados. O delegado prometeu que nunca ia ser descoberto meu nome nem identidade. Mostrou álbum de fotos, mostramos quem era miliciano e quem não era. O Leonardo não era miliciano. Ele era motoboy da pizzaria onde os milicianos, para mais de 200 homens, encomendavam lanches. Ele conhecia por causa disso”, conta um dos denunciantes.

Leonardo e o primo foram para o Serviço de Proteção à Testemunha e tiveram condições de se esconder. Mas na delegacia o nome e o endereço de um deles vazaram. Foi passado para a milícia.

Em uma casa de esquina estavam cinco pessoas. A milícia matou todas, entre elas o pai de um dos rapazes. Sete da primeira chacina, mais cinco da segunda: já eram doze mortes na conta da milícia.

Mas Leonardo cometeu um grande erro. Deixou o Serviço de Proteção de Testemunhas. Foi viver com um irmão, Leandro.

Nome na porta ajudou localização

Apaixonado, tinha na casa do irmão o nome dele e da namorada na porta. Um erro para quem está sendo perseguido por assassinos. Os milicianos chegaram e tentaram arrombar o portão. O portão de ferro fez muito barulho, eles não conseguiram. Com esse barulho, os irmãos passaram por cima do muro em direções diferentes. Leandro conseguiu escapar. Leonardo encontrou outros milicianos que o executaram. Leonardo tinha apenas 24 anos.

Leandro, o irmão que conseguiu fugir, falou ao Fantástico no dia seguinte. Era julho de 2009. Ele também quis testemunhar. Leandro foi assassinado no mês passado pela milícia.

“Eu só escutei os disparos, muitos disparos. Liguei para um amigo policial. Estou desesperado, cara, acabaram de assassinar meu irmão. Falaram que se eu fosse no enterro do meu irmão eles me matariam”, contou, à época.

Leandro cometeu alguns erros. Entrou, mas depois saiu do serviço de proteção. Tinha Orkut com foto dele. Os dois irmãos deixaram seis filhos órfãos por causa da violência da milícia. Mas a família é maior. Leandro foi executado trabalhando como motorista de uma kombi. O cobrador era outro irmão que viu tudo. E agora também está na mira.

“Minhas irmãs não estão indo pra escola com medo de morrer. Minha mãe está desesperada, perdeu dois filhos em dois anos e o estado não fez nada até agora. Estão preocupados em pacificar as favelas. E as milícias, que estão se alastrando, não estão enxergando isso?”, alerta o irmão de Leandro.

“Vou ajudar a Justiça, porque o que eles fizeram com meu irmão foi barbaridade, parecia que estavam matando umas cinco pessoas com tanto disparo que deram. Foram 12 tiros no meu irmão. Isso não pode ficar assim, porque se deixar, serão mais e mais vidas que vão tirar e ninguém vai fazer nada”, ressalta.

Mãe sonhou com morte do filho

A mãe fala de seu sofrimento: “Eu dizia: meu filho, sai daí. Eu tive um sonho com ele, que ele morria dentro da kombi. Falei: foge, vai embora, muda de linha, volta para o programa, volta. Dei muitos conselhos”.

“Estou apavorada de perder meus filhos todos, porque já fomos ameaçados. Eles disseram que vão matar todos que estiverem envolvidos, a família toda. Eu acredito porque eles são poderosos. Por trás disso tem gente de dentro da policia. Ainda tem pessoas que fazem ainda o serviço pra eles. A gente não sabe quem, mas tem”, afirma.

A Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Draco) foi a que mais prendeu milicianos. Com a ajuda das testemunhas cerca de 400 milicianos foram presos. São pessoas que precisam de proteção.

Serviço de proteção garante segurança

“Por serem organizações criminosas, uma das suas características é intimidação, é o poder de corromper quem pode reprimi-la, é o poder de intimidar quem pode reprimi-la, e a capacidade de eliminação. Normalmente se procura fazer uma eliminação simbólica, pra que sirva de exemplo pra toda comunidade fique aterrorizada”, revela o delegado de Polícia Civil, Cláudio Ferraz.

“Quero deixar claro que ninguém morreu protegido no programa. Nenhuma das pessoas atendidas sofreu atentado dentro do programa. Pessoas que saem do programa por vontade própria ou são excluídas porque quebraram as regras, tivemos casos de pessoas que morreram”, diz o coordenador de direitos humanos do governo federal, Fernando Mattos.

“Por enquanto é um modelo carioca, mas é um modelo tão bem-sucedido e tão financeiramente lucrativo que não há porque em outros estados esse modelo se reproduzir. O que leva o Rio de Janeiro a ter uma situação de milícias não é uma especificidade carioca. A policia mal remunerada, a polícia sem controle, o clientelismo político, corrupção na política e na polícia. Isso não existe só no Rio de Janeiro”, afirma o deputado Marcelo Freixo, que foi presidente da CPI das Milícias.


Veja o vídeo:



Fonte: “Fantástico”, da Rede Globo e G1 RJ.

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