domingo, 27 de maio de 2007

SEGURANÇA PÚBLICA SEM INTELIGÊNCIA, É TERROR









ALEMÃO: FALTAM POLICIAIS PARA VENCER O TRÁFICO


Especialistas são unânimes em sugerir o emprego de mais homens e equipamentos adequados nas operações


Sérgio Ramalho

Com o cerco ao Complexo do Alemão às vésperas de completar um mês, três especialistas em estratégia militar e segurança consultados pelo GLOBO são unânimes no diagnóstico da operação nas 12 favelas: faltam policiais e equipamentos para garantir a ocupação da região. Frente ao déficit da tropa, o consultor em segurança Vinícius Domingues Cavalcante — que tem o certificado da American Society Industrial Security, em Virgínia (EUA) — sugere o emprego de operações psicológicas contra os traficantes que dominam o complexo de favelas.

— Seria leviano criticar as táticas adotadas pela Secretaria de Segurança com base apenas no noticiário. É evidente que faltam policiais e equipamentos para tomar do tráfico um complexo com quase 200 mil habitantes.

É um quadro complexo.

Seria necessário pelo menos mil homens bem treinados para fazer o trabalho. Sem o apoio de outras instituições, acredito que a secretaria optou pela asfixia das favelas, com eventuais incursões. Essa é uma tática lenta, mas progressiva — disse Vinícius Cavalcante.

Para o especialista, no entanto, a tática poderia ser somada à adoção de operações psicológicas: — O diálogo, por rádio, em que traficantes falavam em atirar nos moradores com o objetivo claro de criar pressão na opinião pública contra a operação é um exemplo. Isso deveria ter sido divulgado com ênfase para atrair a simpatia da população.

É importante mostrar que o traficante é o vilão, e não o policial. Há uma série de tipos de propaganda que pode gerar bons resultados para a polícia, com estímulo à denúncia dos esconderijos de armas e drogas dos bandidos.


ESPECIALISTA SUGERE TRABALHO COM AS FORÇAS ARMADAS

Diretor do Departamento de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF), Ronaldo Leão também identifica a falta de homens e equipamentos adequados para ocupar o Alemão. Na opinião dele, um trabalho integrado com as Forças Armadas poderia suprir o problema a curto prazo: — O Exército não é treinado para fazer o trabalho da polícia, mas, em situações como a enfrentada hoje no Alemão, os militares poderiam auxiliar num cerco. Caberia, então, às tropas de elite das polícias Militar e Civil realizar ações direcionadas para desarticular a quadrilha.

Para isso, o ideal seria um grupo subir o morro em veículos blindados e outros descer de helicóptero no alto do maciço.

Esse é um outro problema já que a polícia não conta com aeronaves blindadas.

Ronaldo Leão acrescenta que nenhum esforço para ocupar o complexo será válido se não forem colocadas em prática ações sociais: — A polícia tem que entrar na comunidade junto com um conjunto de medidas para resgatar e dar perspectiva de vida para a população. O problema é que isso depende do estado e não da polícia. Se, depois de ocupar o morro, a PM apenas instalar um posto no local, o tráfico vai voltar com mais força e, pior, o morador perderá a esperança.

Vice-presidente do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos, o coronel do Exército Amerino Raposo endossa a análise feita por Ronaldo Leão. O militar, que lutou na Segunda Guerra Mundial e foi superintendente da Polícia Federal, na década de 60, não acredita em mudanças no Complexo do Alemão sem investimento maciço na área social.

— Não vai adiantar nada ocupar a comunidade apenas com a polícia. Não há efetivo para manter esse tipo de operação por muito tempo. É preciso urbanizar o complexo, transformá-lo num bairro, dar escola, saúde e perspectiva de futuro aos jovens. Caso contrário, o tráfico volta — disse o oficial.

Em resposta ao pedido do GLOBO para que analisassem a operação da polícia no Alemão, Ronaldo Leão e o coronel Amerino Raposo são cautelosos.

Ambos sustentam que as ações devem ser realizadas com muito cuidado.

— Afinal, estamos falando de um conglomerado de casas e barracos, onde vivem quase 200 mil pessoas, com muitos trechos em que não há acesso para veículos. Nessa situação é enorme o risco de se produzir vítimas inocentes ou, como dizem os militares, danos colaterais — analisou Leão.


NOTÍCIAS DE UMA GUERRA QUE JÁ DURA QUASE UM MÊS

A Polícia Militar começou a fazer operações no Complexo do Alemão, no último dia 2, em busca dos bandidos que, na véspera, tinham executado dois PMs em Oswaldo Cruz. A caçada mostrou que o tráfico havia transformado as favelas daquela região numa fortaleza inexpugnável: barreiras feitas com trilhos de trem fincados no asfalto e botijões de gás bloqueiam a entrada de veículos da polícia. Outra estratégia usada pelo tráfico é derramar óleo no asfalto para impedir a passagem do Caveirão.

Numa das operações, a PM encontrou uma casamata no alto da Vila Cruzeiro, de onde os bandidos atiravam contra os policiais. O “bunker” foi explodido no dia 5, mas os tiroteios não terminaram. Nos confrontos, 16 pessoas já morreram e mais de 50 foram vítimas de balas perdidas. Três escolas e duas creches, que ficam dentro do complexo, estão fechadas desde o primeiro dia da guerra, deixando mais de três mil crianças sem aulas.


Fonte: O Globo. 27 de maio de 2007. Página 30

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